Under my skin, 2008

“ O múltiplo é, não apenas o que tem muitas partes, mas também o que está dobrado de muitas formas.” Gilles Deleuze, A dobra.
Quantos gestos são precisos para ordenar o mundo, para o dobrar e guardar em caixas?
A procura de sempre.
A inquietação que nos traz ocupados. A procura da ordem oculta das coisas.

Primeiro a geometria. O sentido que organiza o aleatório tornando-o inteligível. Acreditar. Querer crer numa estrutura do caos. Concentrar a inteligência na trama rigorosa do pensamento matemático e sobrepô-lo ao mundo.

Em seguida usar a ironia da ilusão. Recriar o engano antigo, roubado a outras culturas, de inventar a dimensão oculta, a terceira dimensão no mundo da tela. Aglutinar a forma, repeti-la sem limite, revelando o que não existe, inventando a impossível profundidade. Herança de quem ousou imaginar as leis da perspectiva ou de quem rasgou uma tela. Deixar ver para lá dos dois eixos.

Amplificar a falsidade com a ilusão da luz. Escurecer o fundo. Usar a mancha e a linha branca para cortar a tela e remontá-la outra vez. Dobrar a tela infinitamente. De forma sempre diferente. Repetir as três figuras geométricas simples e experimentar a ilusão de serem sempre distintas.

Depois, o desenho da caixa. A aproximação à imagem do objecto, daquilo que a mão conhece. Transformando o nível abstracto do pensamento geométrico e atribuindo-lhe uma familiaridade quase doméstica.

Repetir o gesto, somando as mesmas formas, tornando-as distintas. Ler nestas formas os dias, de tal forma diversos que não acreditamos que são feitos sempre da mesma matéria: de horas, de estações do ano, de segundas e terças-feiras.

Sobre estas caixas, iguais e outras, redesenhar a vida, soltando-a da trama, desrespeitando os seus limites. Os factos e as imagens das escadas, das mesas e dos barcos de papel. As caixas, as casas e os corpos. Outra vez soltos, impossíveis de circunscrever no interior da trama que se descobriu. Tropeçamos de novo no mundo, nos objectos fora de sítio, nos factos fora de sítio, indiferentes à mais elementar das lógicas. A experiência individual sempre pronta a escapar ao entendimento.
São sempre assim os factos, dificilmente compreensíveis.

Há que guardá-los em caixas. Serão, pelo menos, nossos.

Sofia Pinto Basto, 
Maio 2008


agradecimentos:
Luísa SanPayo, Galeria Monumental
Sofia Pinto Basto