Uma história mal contada II, 2007

- I -

Foi o primeiro e o último dos enteados,
a viver no mato com o pensamento inédito:
descansar é que está a dar,
e com a noção do descalabro.
Mas a partir de hoje - imposto ameaça -
Com Lisboa cada vez mais longe,
Assume as responsabilidades
de um homem cheio de ilusões,
a sair da cidade e da casa.

- II -

No caminho de ‘’A’’ par o ‘’B’’
naquela estrada longa, que une o inferno ao céu,
a alegria e a perda, a inocência e a decadência,
existem outras histórias sem limites.

- III -

Quatro meses depois, com saudades de dançar,
procuram casa em Lisboa
e pensam duas vezes,
na produtividade
e nos mecanismos de flexibilidade,
na contaminação genética e na
co-incineração de lixos perigosos,
no desassossego
e na imposição de horários.
(Quase) tudo incerteza.
O futuro , a mediocridade.

- IV -

Escravos da ambição ilimitada,
Eloquente a postura que têm nos Recreios.
Os funcionários de pé, em lágrimas,
não têm lugar no estado.
Engordam as longas noites de pobreza
com vista para o tejo

- V -

Por este rio acima existe o excesso de ruído,
de insectos monstruosos numa barragem
a uma hora viagem em hora de ponta
Preparados para o Alqueva, 
as sardinhas, fazem-se esperar ......

- VI -

Acima de tudo,
o Consumidor, com sotaque francês,
personagem compósito com desperdícios,
sem dor colado na cara.
Ele é a ilusão da eternidade
e de todas as fragilidades da lenta agonia.
Em meio hora de almoço continua a procura
da princesa pop, afogada no desespero
e nas coisas do mundo

- VII -

Os comportamentos permissivos, celebrados nos céus,
no brilho das estrelas que não se conseguem tocar,
lançados nos mares, vão parar aos rios.
À margem da festa na terça feira
O medo de sábado à noite.

- VIII -

Enquanto a bailarina gorda,
num colete de forças,
faz inverno e neve e vento
com a voz e o rosto,
como por magia
ou por transferência de competências,
num encontro emocionante com um mundo triste
ao lado do Palácio frente a esplanada
em terrenos alheios

- IX-

Outros tempos já lá vão.
Nomeações polémicas de maioria absoluta
têm um custo energético,
e o desastrado do mundo faz ‘lições da História’.
Liberto pelos fundos estruturais,
a maleita portuguesa enfia a carapuça
numa guerra de cumplicidades entre salários e patronato.
A excessiva liberdade à deriva no golfo.

- X -

Porque há muitos anos, a elite europeia
esfrega as mãos de contentamento
e joga golfe e toca piano, entre Lisboa e Nova Iorque
39 horas por semana,
Quando tu ris
d’a nossa terrinha a caminho da desgraça.

- XI -

Mas da dor dos outros,
ninguém quis saber.
Mulheres que abortam,
dona e senhora
a trabalhar em casa
para garantir dinheiros.
A bruxa moderna,
com os órgãos congelados
e mulheres divorciadas do feminismo,
que desde o princípio do ano,
depois de um aconselhamento astrológico
cantam o hino nacional antes do jantar.

- XII -

A responsabilidade é compatível disse ela,
e imbatível para sempre.
São os segredos do sucesso: razão e contenção.
Do outro lado na hora de intervalo,
com pontualidade germânica,
o próximo governo e as células indiferenciadas
são apanhadas em flagrante
aos ziguezagues contra a humanidade
em grandes decisões e prenúncios do fim.

- XIII -

Trabalham para o consumo e o financiamento público
na lógica dos ´remediados’...
Compromissos verbais,
não pagam a Inflação, e o Carnaval
ou o indiscutível aumento da credibilidade
dos cartões de crédito.
Vivemos em democracia,
afundamos barcos com imigrantes ilegais
na Arrábida com a bela vista.
Fazemos compras no estrangeiro.
O voto útil no mercado espanhol.
Milagre económico a qualquer preço.

- XIV -

O facto ..... consumado...
As portas abertas num ângulo recto,
dialogando sobre a irreversível marcha lenta
do cordão humano.
Em Portugal, nos transportes públicos,
em aulas ‘avulso’ dominadas pelo pessimismo,
estuda-se a verdade, o mal, e o genoma de bactéria,
conforme as regras comuns da moda.

- XV -

Saído do Metro, sem descolar,
O anjo negro ainda em suspenso,
salva-se a si mesmo do nosso passado.
Tudo em aberto, num cenário preocupante:
alterações climáticas
e mau tempo nas montanhas do mundo.
O que importa é a esfera familiar,
a origem do amor
A última alternativa acessível a todos,
o destino.

- XVI -

Regresso à casa,
nos passos perdidos da minha infância.
Um olhar em redor dos fantasmas da memória
e dos murmúrios da paisagem
... Subimos uma montanha, chegamos apenas
a um ponto de paz e equilibrio.
Um fio de primavera,
é uma espécie de sombra
do ser o que eu sou.